É Carnaval, ninguém leva a mal
Longe vão os tempos em que festejar o Carnaval era sinónimo de “jogar ao Entrudo” e algo tão simples como uma brincadeira de vestir uma roupa velha, se possível espalhafatosa, colocar uma máscara artesanal e sair à rua sozinho ou em grupo provocando a curiosidade de quantos tentavam adivinhar quem seria o “serandeiro” (termo utilizado nas nossas aldeias beirãs para designar o mascarado, ao que sei proveniente da ideia dos disfarçados que apareciam para divertir as nossas gentes nas longas noites de trabalho ao serão, na época das desfolhadas).
Sem nada ter contra o Carnaval brasileiro, até mesmo apreciando muito os ritmos e o calor de uma das maiores festas mundiais, sempre considerei bastante ridícula esta mania portuguesa de a todo o custo querer imitar uma tradição que nada tem a ver com as nossas genuínas e interessantes formas de festejar o Entrudo. Para além das diferenças culturais que naturalmente nos distinguem, até mesmo a diferença de climas que se faz sentir em Portugal e no Brasil nesta época seria por si só suficiente para traduzir formas distintas o festejar do mesmo evento.
Sempre considerei que a riqueza cultural se encontra precisamente na diversidade que existe entre os povos, as suas culturas e as suas tradições. A nossa contínua aprendizagem resulta mesmo desta troca de conhecimento e de entendimento do ser humano enquanto ser universal dotado das suas raízes e das crenças.
Não consigo perceber porque razão tantos portugueses menosprezam o seu país e as suas tradições. Creio que vai sendo tempo de sairmos desta aculturação, a começar pelas próprias escolas que nos seus cortejos carnavalescos vestem as nossas crianças de trajes abrasileirados, muitas vezes deixando-as a tiritar de frio.
Felizmente na cidade de Aveiro, temos assistido nos últimos anos a desfiles de Carnaval das escolas cada vez mais ricos. E quando digo mais ricos de forma alguma quero materializar em termos financeiros, mas pelo contrário valorizar pela criatividade, pela preservação das tradições, pela pedagogia das lições que nos têm dado no uso de materiais reciclados e na manifestação da defesa do ambiente.
Que o Carnaval ou Entrudo seja uma festa de encontro, de mistério e de diversão! E que acima de tudo saibamos participar ou tão só apreciar construtivamente tudo o que temos de bom, realçando a nossa cultura e as nossas tradições. Não há nada de mais valioso nesta época do que ensinar as nossas crianças a reverem-se na identidade do seu país, aprendendo a gostar daquilo que são e simultaneamente brincando.
(publicado nas edições de hoje do Diário de Aveiro e do Democracia Liberal)