Guardião do Sistema Partidário
Com a devida vénia ao Jornal de Notícias, transcrevemos um artigo subscrito
pelo Bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto, publicado naquele Jornal em 18/03/2013.
Guardião
do sistema partidário
Não foi só o Movimento de
Alternativa Socialista (MAS) que viu a sua inscrição como partido político ser
injustificadamente negada (ver crónica da semana passada) pelo Tribunal
Constitucional (TC). Também o Partido da Liberdade (PL) foi igualmente impedido
de se inscrever com «fundamentos» que resvalam para a chicana.
Vejamos.
A inscrição do PL foi requerida em
Junho de 2009, mas foi indeferida um mês depois, por suposta ilegalidade do
respectivo projecto de estatutos. O partido procedeu então à sua correcção e em
Agosto seguinte requereu a «revisão da decisão de indeferimento», juntando o
projecto de estatutos corrigido. Um mês depois, o TC indeferiu esse requerimento
alegando que «a lei não prevê qualquer 'pedido de revisão' do acórdão
proferido».
Em Setembro seguinte, o PL requereu
então o desentranhamento dos documentos com que tinham instruído o processo da
sua inscrição, nomeadamente as 7781 assinaturas de cidadãos eleitores, mas o
Presidente do TC indeferiu o pedido, argumentando que «os documentos cujo
desentranhamento é requerido constituem o fundamento e o suporte da decisão que
o Tribunal proferiu nesses autos». O PL ainda solicitou a aclaração dessa
decisão uma vez que os fundamentos do indeferimento da sua inscrição não tinham
tido nada a ver com qualquer das 7781 assinaturas, mas também esse pedido foi
indeferido com o argumento de que os elementos pretendidos eram essenciais para
«a completude e inteligibilidade da pretensão (de inscrição de um concreto
partido político) submetida ao Tribunal e por este decidida». Sublinhe-se que os
documentos eram propriedade do requerente e não do TC e que este podia (e devia)
instruir o processo ou «suportar» a sua decisão com cópia certificada dos
originais.
Entretanto, a 19 de Outubro de
2009, o PL requereu novamente a sua inscrição no TC, juntando todos os
documentos necessários e um CD com as 7781 assinaturas digitalizadas, dado que
as originais já estavam na posse do TC (constavam do processo de inscrição que
tinha sido rejeitada). Como a 11 de Maio de 2010 o TC ainda não tinha decidido o
novo pedido, o PL solicitou ao presidente do TC informações «justificativas de
tão prolongada demora».
A resposta veio no mês seguinte com
um acórdão que indeferiu o novo pedido de inscrição com a alegação de que a
vontade dos 7781 cidadãos subscritores do anterior pedido de inscrição se
formara relativamente ao projecto de estatutos que tinha sido considerado ilegal
e não em relação ao projecto apresentado com o novo pedido, ou seja, já
corrigido dos vícios que tinham fundamentado a anterior rejeição. Para o TC não
era seguro que aqueles 7781 eleitores quisessem um partido com os estatutos em
conformidade com a Lei dos Partidos, uma vez que tinham dado a sua concordância
apenas a um projecto de estatutos (que o próprio TC considerara) ilegal. Por
isso rejeitou novamente a inscrição do PL.
Esta decisão está, pois, no limiar
da chicana ou tão só no limite do despotismo. A CRP garante, no capítulo dos
«direitos, liberdades e garantias de participação política», o direito de os
cidadãos constituírem partidos políticos. As únicas limitações a esse direito
são as constantes do artigo 51º, n.o 3 e n.o 4 da CRP e não nenhuma das que o TC
tem invocado. Além disso, a CRP diz (artigo 18º, n.oº 2) que a lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos
na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora,
por sobre não se descortinar onde é que a CRP prevê as restrições que o TC tem
imposto ao direito de criar partidos, também não se vislumbram quais os direitos
ou interesses constitucionais que esse tribunal terá pretendido proteger com a
recusa de inscrição do MAS e do PL.
Infelizmente, o Tribunal
Constitucional transformou-se mesmo num órgão político, com a missão, entre
outras, de garantir o monopólio da actividade política aos actuais partidos
políticos, por sinal os mesmos que designaram, directa ou indirectamente, os
seus juízes. E, pior do que isso, ao impedir o aparecimento de novos partidos,
está a minar, perigosamente, os alicerces da própria democracia.
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