sábado, março 23, 2013

Guardião do Sistema Partidário

Com a devida vénia ao Jornal de Notícias, transcrevemos um artigo subscrito pelo Bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto, publicado naquele Jornal em 18/03/2013.

Guardião do sistema partidário
 
Não foi só o Movimento de Alternativa Socialista (MAS) que viu a sua inscrição como partido político ser injustificadamente negada (ver crónica da semana passada) pelo Tribunal Constitucional (TC). Também o Partido da Liberdade (PL) foi igualmente impedido de se inscrever com «fundamentos» que resvalam para a chicana. Vejamos.
A inscrição do PL foi requerida em Junho de 2009, mas foi indeferida um mês depois, por suposta ilegalidade do respectivo projecto de estatutos. O partido procedeu então à sua correcção e em Agosto seguinte requereu a «revisão da decisão de indeferimento», juntando o projecto de estatutos corrigido. Um mês depois, o TC indeferiu esse requerimento alegando que «a lei não prevê qualquer 'pedido de revisão' do acórdão proferido».
Em Setembro seguinte, o PL requereu então o desentranhamento dos documentos com que tinham instruído o processo da sua inscrição, nomeadamente as 7781 assinaturas de cidadãos eleitores, mas o Presidente do TC indeferiu o pedido, argumentando que «os documentos cujo desentranhamento é requerido constituem o fundamento e o suporte da decisão que o Tribunal proferiu nesses autos». O PL ainda solicitou a aclaração dessa decisão uma vez que os fundamentos do indeferimento da sua inscrição não tinham tido nada a ver com qualquer das 7781 assinaturas, mas também esse pedido foi indeferido com o argumento de que os elementos pretendidos eram essenciais para «a completude e inteligibilidade da pretensão (de inscrição de um concreto partido político) submetida ao Tribunal e por este decidida». Sublinhe-se que os documentos eram propriedade do requerente e não do TC e que este podia (e devia) instruir o processo ou «suportar» a sua decisão com cópia certificada dos originais.
Entretanto, a 19 de Outubro de 2009, o PL requereu novamente a sua inscrição no TC, juntando todos os documentos necessários e um CD com as 7781 assinaturas digitalizadas, dado que as originais já estavam na posse do TC (constavam do processo de inscrição que tinha sido rejeitada). Como a 11 de Maio de 2010 o TC ainda não tinha decidido o novo pedido, o PL solicitou ao presidente do TC informações «justificativas de tão prolongada demora».
A resposta veio no mês seguinte com um acórdão que indeferiu o novo pedido de inscrição com a alegação de que a vontade dos 7781 cidadãos subscritores do anterior pedido de inscrição se formara relativamente ao projecto de estatutos que tinha sido considerado ilegal e não em relação ao projecto apresentado com o novo pedido, ou seja, já corrigido dos vícios que tinham fundamentado a anterior rejeição. Para o TC não era seguro que aqueles 7781 eleitores quisessem um partido com os estatutos em conformidade com a Lei dos Partidos, uma vez que tinham dado a sua concordância apenas a um projecto de estatutos (que o próprio TC considerara) ilegal. Por isso rejeitou novamente a inscrição do PL.
Esta decisão está, pois, no limiar da chicana ou tão só no limite do despotismo. A CRP garante, no capítulo dos «direitos, liberdades e garantias de participação política», o direito de os cidadãos constituírem partidos políticos. As únicas limitações a esse direito são as constantes do artigo 51º, n.o 3 e n.o 4 da CRP e não nenhuma das que o TC tem invocado. Além disso, a CRP diz (artigo 18º, n.oº 2) que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora, por sobre não se descortinar onde é que a CRP prevê as restrições que o TC tem imposto ao direito de criar partidos, também não se vislumbram quais os direitos ou interesses constitucionais que esse tribunal terá pretendido proteger com a recusa de inscrição do MAS e do PL.
Infelizmente, o Tribunal Constitucional transformou-se mesmo num órgão político, com a missão, entre outras, de garantir o monopólio da actividade política aos actuais partidos políticos, por sinal os mesmos que designaram, directa ou indirectamente, os seus juízes. E, pior do que isso, ao impedir o aparecimento de novos partidos, está a minar, perigosamente, os alicerces da própria democracia.