sexta-feira, fevereiro 03, 2006

O referendo sobre o Mário Duarte (I)

Por Jorge Ferreira no Tomarpartido

Apesar de existirem há vários anos leis que prevêem o instituto do referendo, quer a nível nacional quer a nível local, circunstâncias várias têm contribuído para que eles tardem a tornar-se um hábito democrático e natural na vida política portuguesa.


Herdeiros de uma tradição administrativa centralista e burocrática, com o poder concentrado e apenas acessível a um pequeno grupo, ainda que eleito, o país não tem inscrito no seu código genético cívico, a participação referendária como método de decisão política.


Ao nível da decisão local, a figura do referendo está por testar. Todos reconhecem a sua valia política ao nível pedagógico, para motivar os eleitores a participar activa e decisivamente na vida pública. Mas cumpre reconhecer que poucos se mostram genuinamente interessados em utilizar este instrumento de participação do povo na decisão. Evidentemente que quando se devolve o poder ao povo mandam menos os políticos. E, no fundo, estes julgam suficiente e bastante o pronunciamento universal, geral e periódico através dos clássicos mecanismos da democracia representativa. Isto é, através de eleições de quatro em quatro de três em três ou de cinco em cinco anos.


Mas será que isto chega? Pensamos que não. Não ignoramos que a ideia de realizar um referendo é sempre simpática aos olhos dos eleitores, mas que depois pode ir uma grande distância entre a simpatia da ideia e a a participação efectiva dos eleitores através do voto no referendo.


Temos presentes as experiências do passado com os referendos de âmbito nacional sobre o aborto e a regionalização. Muitos os desejaram, mas poucos votaram.


Tal não impede, porém, que se continue a apostar na ideia, em si boa, de chamar os cidadãos a decidir directamente sobre certas matérias do seu interesse e quando esteja em causa um inquestionável interesse público. Com as devidas cautelas e a necessária prudência.


Não fará, por exemplo nenhum sentido, referendarem-se questões apenas de interesse sectorial a que a generalidade das pessoas não é sensível. Como não faz sentido fazer-se um referendo sem ter toda a informação sobre a matéria em causa disponível. Informação técnica e política. Os fundamentos e as alternativas. Os custos e as implicações.


Só assim a opção referendária será consciente e responsável. Os referendos são corpos estranhos numa sociedade conformada com o tradicional “eles é que sabem”, alheada da informação cativada pelo poder e resignada à indiferença cívica.


É por este conjunto de razões de índole ideológica que a Nova Democracia propôs publicamente a realização de um referendo local sobre o destino do Estádio Mário Duarte em Aveiro. As outras razões ficam para a próxima semana.


(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)