A recessão democrática portuguesa
Com a devida vénia ao Diário de Aveiro
O “Democracy Index” mundial relativo a 2008, feito por especialistas da revista britânica “The Economist”, e publicado esta semana, revelou que se deu globalmente, de 2006 para 2008, uma "recessão democrática". Em 68 países houve regressão, em 56 evolução positiva e 43 mantiveram os seus “scores”.
Como um mal nunca vem só, a recessão democrática global é explicada pela equipa da “The Economist” que preparou este relatório – a chamada Intelligence Unit – com a crise económica mundial que atravessamos nos dias de hoje. O “Democracy Index” divide os países em "democracias plenas" (os 30 primeiros do ranking, entre os quais se encontra Portugal), "democracias imperfeitas" (do 31º lugar ao 80º, encontrando-se aqui nove países da UE), "regimes híbridos" (entre o 81.º e o 116.º) e "regimes autoritários" (do 117.º ao 167.º), entre os quais são colocados países como Angola (131.º lugar na tabela).
Constata-se neste relatório que Portugal perdeu seis posições, de 2006 para 2008, no “Democracy Index” feito pelos especialistas da revista “The Economist”, passando de 19.º lugar para 25.º lugar. O estudo revela que «Entre os 27 países da União Europeia, Portugal encontra-se agora na segunda metade do pelotão. Na verdade, sem os países do alargamento, poderia ser considerado um dos com “pior vivência democrática”».
Segundo este estudo, o que fez Portugal baixar seis posições foi o item da "participação política" (que mede a participação popular nos actos eleitorais). A classificação (numa pontuação máxima de 10) era, em 2006, de 6,11, tendo baixado no “Democracy Index” de 2008 para 5,56. O que poderá ter feito baixar esta avaliação da participação política foi o referendo à despenalização do aborto, realizado em Fevereiro de 2007. A abstenção – tal como em todos os outros referendos nacionais já realizados – foi superior a 50% (mais precisamente, 56,39%).
Já há cerca de dois anos, no III Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política, o académico Philippe Schmitter, professor do Instituto Universitário Europeu (IUE), um dos mais conceituados teóricos sobre a democratização, trouxe à Fundação Calouste Gulbenkian algumas das preocupações recorrentes do seu trabalho: por um lado, as condições em que pode ser bem sucedida a transição para a democracia e a sua consolidação e, por outro, o "desencanto" com este regime.
O “desencanto”, considerou na ocasião Schmitter, «resulta da "disparidade entre a fé persistente na democracia" e a sua concretização com resultados aquém das expectativas. A qualidade das democracias está a cair não só nos países que aderiram a ela recentemente, como é o caso de Portugal, mas também nas democracias consolidadas», considerou o investigador. E enumerou ainda sintomas desse "empobrecimento": diminuição da participação nas eleições, desinteresse dos cidadãos pelos partidos políticos e pelos sindicatos, e aumento da desconfiança em relação aos políticos e às instituições democráticas.
Quanto a nós, que temos estado todas as semanas em acções de rua, e que semanalmente temos escutado a opinião de centenas de portugueses, estas afirmações, e as conclusões do “Democracy Index” não nos surpreendem, dado o caótico estado do Estado, da política, e dos políticos, e dados os desabafos que nos transmitem o povo português, que são cada vez mais sofridos, dando-nos mesmo conta de verdadeiros gritos de revolta que por vezes sentimos como duras farpas.
É pois, por demais importante, que não ignoremos esta realidade, e que para além dos debates e das reflexões sobre o mau estado nacional e global da democracia, não cruzemos os braços, mas sim que nos sirvamos destas constatações para “arregaçar mangas”, pois se existem ameaças sérias à democracia, tal como afirmou Schmitter, «que esse seja o ímpeto para a reforma da própria democracia».
Susana Barbosa
1ª Signatária do Partido da Liberdade
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)