quarta-feira, outubro 08, 2008

Sim, Senhor Presidente

Com a devida vénia ao Diário de Aveiro
«O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos. Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar», declarou Cavaco Silva no discurso que proferiu nas comemorações da revolução republicana de 5 de Outubro, em Lisboa.

Sim, Senhor Presidente, apesar da sua aparente tolerância ao governo de José Sócrates, parece-nos que finalmente conseguiu por momentos discursar sobre o “país real”. Durante as comemorações dos 98 anos da Instauração da República nos Paços do Conselho, V. Ex.ª traçou um quadro “real” das dificuldades que os portugueses enfrentam no dia-a-dia. Falou das famílias que lutam para pagar os empréstimos à habitação, dos idosos cuja reforma mal chega para as despesas básicas, daqueles que perderam o seu trabalho, de novas formas de pobreza e exclusão social.

Sim, Senhor Presidente, as palavras que proferiu fariam todo o sentido, se não afirmasse também, que as pessoas não deviam depender do Estado, porque perante esta afirmação questionamos: e o Estado deve depender das pessoas?

A título de exemplo, se os cidadãos pagam taxas e mais taxas inexplicáveis ao Estado, em facturas de serviços essenciais como o abastecimento de electricidade ou de água, ou mesmo se as empresas até são obrigadas a liquidar o “Pagamento Especial por Conta” ao Estado, por conta de algo incerto, o que torna absurdos e abusivos tais pagamentos, como se poderá pedir às pessoas que não dependam do Estado, se esse mesmo Estado é subsídio-dependente das pessoas, e financiado, com altíssimos sacrifícios, por adiantamentos de impostos exigidos às empresas?

O Estado, Senhor Presidente, se fosse “pessoa de bem” devia começar a dar o “exemplo” e abdicar de imediato de mordomias que consomem os dinheiros públicos, deixando por outro lado as famílias e as empresas asfixiadas. As altas taxas de impostos praticadas em Portugal, têm servido para subsidiar uma economia de casino, atrofiando cada vez mais a economia real, e como V. Ex.ª teve de reconhecer, «afastando o nosso país dos níveis de prosperidade e de bem-estar dos nossos parceiros europeus, e registando fracos índices de crescimento económico, provando que não invertemos a insustentável tendência do endividamento externo».

Como todos sabemos, tempo difíceis avizinham-se, a ganância matou os mercados financeiros, o neoliberalismo não resultou, e o desequilíbrio entre o crédito concedido e o capital disponível neste concedimento por parte das entidades financeiras, está a levar a economia mundial à falência e ao descalabro. Portugal, infelizmente, “embarcou” neste capitalismo desenfreado, e o Senhor Presidente Cavaco Silva, não tem moralidade para fazer exigências aos portugueses, porque ele mesmo, enquanto governante e primeiro-ministro, nos deixou um fraco exemplo de governação, esbanjando em megalómanas obras públicas mal projectadas, betão e alcatrão, à custa de “recursos financeiros fáceis” à data provenientes todos os dias sem reembolsos, e sem juros, da União Europeia.

Sim, Senhor Presidente, não temos memória curta, é certo que a crise é mundial, mas, se hoje Portugal vai pior do que os seus parceiros, a culpa não pode “morrer solteira”, e V. Ex.ª está à frente da lista dos intermináveis (des) governos do nosso país. Importa ajustarmo-nos à realidade, importa tomar medidas urgentes, importa ser austero, justo e firme, como o exige o tempo de crise, mas importa também saber “dar o exemplo” aos portugueses. Porque é que não começa já, V. Ex.ª Senhor Presidente, a dar por si mesmo esse exemplo?
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

2 Comments:

At 7:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Dra. Susana Barbosa:

Esta carta-aberta é exemplo daquilo que os (des)governantes deste País devem ouvir do Povo que os elegeu. De quem, uma vez no Poder, raramente escutam os gritos, tantas vezes desesperados, vindos do abismo da desgraça.

Deste Povo que vive esmagado pelo peso dos impostos que sustentam a sumptuosidade do gordo Estado. Deste Povo que vive em constante receio de perder o trabalho, de perder a casa e, até, como agora, de perder o que aforrou durante uma vida inteira de sacrifícios.

Tiveram a arte de convencer o Povo de que se preocupavam com ele. Disseram-lhe que desejavam a sua felicidade, que lhe dariam paz e prosperidade, liberdade e constante solidariedade. Deram-lhe insegurança, desemprego, dívidas, incerteza, instabilidade, miséria e o terror do dia de amanhã.

O “melhor dos mundos” pariu um inferno.

 
At 2:05 da tarde, Blogger hfm said...

Eles têm memória curta, curtíssima...

 

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