sábado, setembro 06, 2008

Os desconcertantes trilhos dos caminhos portugueses

Com a devida vénia ao Diário de Aveiro
Na passada semana, foram noticiadas as acusações feitas pela Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-ferro (APACF), que nos dão a conhecer que «a falta de investimentos que tornem os caminhos-de-ferro num transporte competitivo, é uma acusação que associações de utentes e empresários, de todo o país, fazem à CP e à REFER, contestando o estado de muitos troços».

A APACF adianta ainda, o que já há muito contestamos, e o que muitos sentem por penosa experiência própria, afirmando que «as linhas ferroviárias do nordeste transmontano, do Vouga, da Lousã, do Oeste e Algarve são exemplos dessa falta de investimento, que se reflecte também na ausência de horários adequados e de condições de conforto, que inviabilizam a possibilidade do comboio ser um meio alternativo ao automóvel», recordando que estas linhas «estão situadas em regiões densamente povoadas ou em zonas turísticas e não têm as condições para servir nem as comunidades nem os turistas».

Enquanto se constata este cenário degradante de abandono dos caminhos-de-ferro portugueses, um pouco por todo o país, deixando também assim ao abandono, uma melhor ligação entre o litoral e o interior, e abandonada mesmo a ideia da construção de novas linhas que possam fazer chegar a menor custo, pessoas e mercadorias, a mais regiões, a mais cidades, e a mais vilas, o nosso “glorioso” governo anda entretido com os magníficos e inacabáveis estudos do traçado do TGV, que deixam «interrompidas» as vidas de muitas pessoas, que já vêem em risco as suas casas e os seus empregos, em prol da comodidade de uns poucos que viajarão a alta velocidade, ainda que o país real continue sem acessibilidades, sem comodidades, sem modernidades, e sem possibilidades de usufruir das afortunadas viagens que proporcionará a alguns, o deslumbrante TGV.

Exemplo do que acabámos de referir, foi a notícia desta semana no Diário de Aveiro, que nos deu conta que no lugar de Santiais, freguesia de Beduído, concelho de Estarreja, com a passagem do TGV «Doze habitações particulares e duas empresas locais vão ser destruídas, e todo um lugar vai ficar inóspito, para que o corredor do futuro comboio de alta velocidade entre Lisboa e Porto seja construído». Perante este cenário, não será difícil de imaginar a “revolta do país real”, que neste caso concreto já organizou moradores, que criaram uma Comissão de Dinamização para defenderem os seus interesses, assegurando «Lutaremos sempre pela defesa dos nossos interesses e necessidades».
Ao que parece, a quem vem governando Portugal, as pessoas contam pouco ao lado dos interesses fabulosos das “grandes obras”, que mais uma vez, à porta de um novo ciclo de eleições, servirão de instrumento indispensável à propaganda do falso desenvolvimento, da falsa sustentabilidade económica, e da falsa modernidade, mais não constituindo do que parte do “folclore político” e da “maquilhagem” dos discursos políticos, que querem fazer dos portugueses eternos bobos, pois vão crendo que «com papas e bolos se enganam os tolos».

Mas desenganem-se, porque as pessoas valem mais, a realidade das pessoas fala por si, e a verdade que nos espera é demasiado dura para poupar críticas e revoltas contra tanto que vai de mal a pior. De nada servirá o deslumbramento da centralização do poder, dos grandes investimentos ao serviço da globalização, e das luzes da ribalta da capital, se o país real se degrada e empobrece todos os dias.

(publicado na edição de ontem do Diário de Aveiro)

2 Comments:

At 5:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mais uma intervenção na cruzada de denúncia de tudo quanto não serve os Portugueses, mas que vai servindo - e de que maneira! - a alguns privilegiados. Continue, que é bem preciso.

O abandono de muitas linhas teve, é bem evidente, razões economicistas. Não é rentável, fecha-se, foi o mote. Ainda que o Interior ficasse mais abandonado, mais empobrecido, mais esquecido… Que interessava isso? Os poucos velhos que, ainda, por lá, vão permanecendo, não justificam a despesa. Aliás, ninguém lhes pediu, sequer, a opinião.

Agora, para luxo de uns poucos e subserviência à vizinha Espanha, aí vem o TGV. Acredito que uma pequena parte, apenas, dos muitos milhões do projecto seriam suficientes para a reabilitação de algumas das linhas abandonadas. Não se destruíam nem casas nem fábricas e serviam-se melhor as populações que, tal como muito bem diz, valem mais do que os interesses das “grandes obras”.

JSP

 
At 9:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Antes de mais um esclarecimento, essa associação denomina-se APAC e não APACF.
Par discutir este assunto, não basta falar de cor, tem de se ter algum conhecimento sobre o assunto, senão podemos estar a falar em vão.
Em primeiro lugar, é preciso explicar que o desbaste que se fez nos caminhos de ferro em Portugal ocorreu no consulado do actual Presidente da República enquanto 1º Ministro, assim entre os fins de 80 e princípios de 90, fecharam-se mais de 1000 Kms de linhas, cerca de um terço da rede ferroviária nacional, principalmente na rede de via estreita, tendo em atenção a sua pequena dimensão, ficou reduzida a pouco mais de 25%, com linhas inteiras como a do Sabor, com 107 Kms de extensão, toda encerrada, também o percurso da linha do Vouga entre Sernada do Vouga e Viseu e entre Viseu e Stª Comba Dão, a chamada linha do Dão, foi encerrado numa extensão de mais de 130 Kms, as linhas do Tua, Tâmega, Corgo e Guimarães viram-se amputadas em cerca de 200 Kms, ou seja numa rede de 700 Kms de via reduzida, sobraram menos de 200 em funcionamento, deixando aldeias remotas praticamente isoladas ou com caminhos de difícil acesso, pelo que não é de estranhar que o Nordeste Transmontano e outras zonas do Interior do País estejam hoje às moscas.
Na via larga, cometeram-se verdadeiros crimes, por exemplo a chamad estrela de Évora, donde partiam linhas para Reguengos de Monsaraz, Mora. Portalegre, Vila Viçosa etc. foi todo desfeito agora o transporte de passageiros fica-se por Évora, havendo apenas alguns comboios de mercadorias até Estremoz e mesmo assim...
também outra linha do interior alentejano, a linha de Moura, que terminava na cidade do mesmo nome e agora perto da barragem do Alqueva foi desmantelada, retirando potencial àquela zona, e houve outros cortes por todo o país como entre o Pocinho e Barca-de-Alva, cuja distancia er ad 25 Kms e a alternativa por estrada na altura, tinha cerca de 80, claro que a Sra. Susana Barbosa deve perguntar aos presidentes das autarquias servidas por estas linhas, porque permitiram esses cortes, a começar pelo Dr. Fernando Ruas, na altura já presidente da Câmara de Viseu.
Claro, que o Dr. Fernando Ruas parece que queria que o TGV lá parasse na sua terrinha, vê-se que percebe tanto de TGV'S como eu de colheres, e mesmo a Sra. Susana Barbosa, caso se concretize a linha de TGV para o Porto, nunca verá parar na sua terra tal comboio, isto porque estes comboios, tem para terem rendimento só podem ter estações apenas entre 90 a 110 Kms e sendo obrigatória uma paragem em Coimbra, Aveiro que fica a meio caminho do Porto, que dista pouco mais de 100 Kms da cidade do Mondego, Vê assim a impossibilidade de lá parar o TGV.
Muito haveria para dizer, como um estudo que fiz em 2002, em que demonstro, que mesmo com bilhetes a 50 Euros (eles dizem que irão ser 40 Euros), a linha Lisboa/Porto de TGV, demorará na melhor das hipóteses, entre 30 a 40 anos a pagar, não contando com a renovação do material, custos de manutenção e gastos de pessoal, mas isso fica para quem queira debater estes assuntos a sério, não para uma conversa ligeira de blogues.
Os meus cumprimentos.

LUSITANO

 

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