O Eterno é a Própria Vida
Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá «a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se». O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. O que há sempre de incoactivo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir activo ou a sua existência. E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amámos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. Esta piedade é quase ímpia. A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo, o acento da sua liberdade na incompletude da vida. O mesmo frágil princípio faz-nos viver e dá ao que fazemos um sentido inesgotável.
Maurice Merleau-Ponty, in 'O Elogio da Filosofia'
França [1908-1961]
5 Comments:
O texto que seleccionaste é excelente.
E serve para reflectirmos um pouco sobre a nossa própria vida.
Um beijo e bom feriado.
Merleau-Ponty no seu melhor!
A morte dá o sentido á vida.
Torna-a valiosa, na medida da sua precariedade.
Viva Susana
Excelente post, no momento mais que oportuno.
Era muito bom que conseguissemos encarar a morte não como um fim, mas uma outra realidade.
E que conseguissemos encará-la de forma a valorizarmos a vida.
Como sei que é um tema ainda muito marcado em si, desejo-lhe, sinceramente, a maior força e coragem.
Um forte abraço sentido
De quando em vez passo por aqui...hoje, com a promessa de voltar muito mais vezes.
Excelente o texto, que nos leva ao encontro de nós mesmos.
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