quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Sociedade sem rosto

Com a devida vénia ao Diário de Aveiro

Vivemos hoje cada vez mais “enjaulados” numa sociedade sem rosto. O próprio avanço tecnológico, se por um lado nos traz magníficas contribuições ao aumento da nossa qualidade de vida, por outro lado, escraviza-nos na sua dependência e no seu comodismo, e pior ainda, isola-nos das pessoas, das viagens reais, do mundo animal e do mundo natural, enfim da Vida. Hoje, ao mesmo tempo que julgamos apenas evoluir, conectando-nos com os poderosos instrumentos do “virtual”, desumanizamo-nos e desvirtuarmo-nos, e tornamo-nos aos poucos criaturas menos genuínas, menos generosas, menos capazes, e portanto, menos livres.

Ter o bom senso necessário, para saber extrair da ciência as mais-valias positivas, eliminando a permissividade ao “mal”, sempre constituiu ao longo da história uma das maiores conquistas do homem, e simultaneamente uma das suas maiores derrotas. Hoje, num mundo cada vez mais globalizado pela ganância de um capitalismo ultra-radical, chegámos a um patamar de comunicabilidade tanto mais virtual, quanto mais desumano. Encontramo-nos num patamar de sociedade regrado em letras miudinhas e em contratos firmados com um simples “click”, mas onde as letras grandes foram esquecidas, e a “palavra dada”, ignorada.

Estamos na civilização do falacioso “atendimento gratuito”, que a todos nos pesa a custos tão exorbitantes, que se tornam a curto prazo irreparáveis para a nossa saúde, para o nosso bem-estar, enfim, para a nossa qualidade de vida em geral. Os nossos problemas agravam-se, à medida que aumentam os atendimentos despersonalizados à nossa volta.

Por detrás das “linhas” gratuitas, não está a preocupação com a melhoria da qualidade de atendimento, mas sim a preocupação com o aumento dos lucros dos serviços em causa. E quando constatamos diariamente os despedimentos de pessoas em “massa”, das mais variadas empresas e instituições, nem sempre eles correspondem ao efectivo espelho da crise global, mas por vezes, apenas à ganância de ainda poder lucrar com a própria crise, reduzindo custos, aumentando horas de trabalho a quem agradece por não ser despedido, manipulando mais as pessoas e utilizando menos Valores, servindo-se da crise e abusando-se de todos nós.

Os trabalhadores e o trabalho perdem dignidade. O trabalhador que no início da revolução industrial passou a representar um número, hoje passou a representar apenas um código de barras, o que o torna ainda mais indiferenciado, sujeito aos dogmas da fantástica civilização do “usa e deita fora”. Não se respeita o sexo, a idade, a ética, a saúde, e muito menos o sentimento. Importa “rentabilizar” tudo e todos, sem olhar a meios, e esta será certamente a mais cruel crise da humanidade, mas também a única que se extinguirá à custa dos seus próprios erros, para dar lugar a uma nova ordem mundial de organização, de sociedade e de valores.

A sociedade sem rosto a que chegámos, é consequência do esgotamento dos modelos socialistas e capitalistas, ambos levados aos extremos durante as últimas décadas. A sociedade sem rosto a que chegámos, levou à desresponsabilização colectiva, tanto dos interesses de quem a geriu, como de quem se viu nela gerida. Atendimento sem rosto, sociedades anónimas, investimentos virtuais, “off-shores” à “la minute”, e decisões bolseiras ao segundo, transformaram a salutar e necessária ambição humana, em ganância desmedida, permeável à corrupção e ao lamaçal em que hoje nos encontramos atolados.

Os resultados estão à vista desarmada, em Portugal, na Europa e no Mundo.

Infelizmente à custa do sacrifício de todos nós, as sociedades têm de voltar a mostrar os seus rostos, as nações têm de assumir as consequências das suas opções, e os homens têm de assumir as responsabilidades dos seus actos. Vamos ao Trabalho! Enquanto é tempo, e enquanto resta liberdade para lutar.

Susana Barbosa
1ª Signatária do Partido da Liberdade
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

1 Comments:

At 8:55 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mais um texto de elevada qualidade, uma análise serena e objectiva da sociedade actual.

O Homem só tem dignidade se cultivar Valores e pautar, por eles, a sua vida. Mas onde encontrar Valores nesta “Sociedade sem rosto” onde o Ser Humano não passa, hoje em dia, de “um código de barras” (que expressão tão adequada!)? O capitalismo, acéfalo e ultra-radical, para alargar o seu domínio, faz de nós “seres-etiquetas”, sem Raízes, sem Família, sem Valores, sem Propriedade, sem Nada…E com a preciosa ajuda do socialismo igualitário, na vã tentativa de igualar o inigualável.

Precisamos de ressuscitar os nossos Valores, sobretudo esse Valor Supremo que é a nossa Pátria.

 

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