domingo, outubro 01, 2006

Cântico azul-marinho e verde-esperança

Cansam-me as mentes austeras

cingidas pela robustez

de interesse por várias esferas.

E espanta-me a insensatez

de quem louva a austeridade,

fruto da incapacidade

para um pensamento aberto,

que, perante o que é incerto,

esconde a dúvida no erro

que é condenar-se ao desterro

de cumprir uma matriz

e com isso ser feliz.

Quero quem tenha do humano

a maior sabedoria,

para lidar, mano a mano,

com a vida do dia a dia,

que não vem num manual

- tantas são as variáveis -,

pelo que é essencial

que, de todos os notáveis,

ganhe quem saiba da alma

da gente que, de uma vez,

conseguiu levar a palma,

contra um fado português

cantado por outro austero,

de corpo e de pensamento,

que, com pulso rude e fero,

fez do país monumento

ao silêncio, ao medo, à morte.

Não quero quem me lembre de tal sorte,

quem confine a uma baía o mar da vida,

insistindo numa rota já batida

que leva a um só cais,

num mar cinzento e frio, sem risco ou chama.

Quanto aos demais,

lá, onde mora o sonho e a alma se derrama

por horizontes há tanto desejados,

são cais esquecidos, são portos ignorados

pela barca de um só rumo, cega e surda

às vozes que, na amurada, se levantam,

quando o vento da vontade nasce e muda

o rumo e a rima dos versos que ao mar cantam.

Por isso, a esses cais não vai qualquer navio.

Só vai o que não teme o desafio

de inscrever no voo das gaivotas

a rima de outros versos, a espuma de outras rotas

que nunca o céu de chumbo encobriu.

Por que voltar à cinzenta rota antiga,

se há tanto azul no mar e verde na cantiga

e a vontade de cantar não se extinguiu?

in Ideias em desalinho

(imagem: “Seagull” - Ian Britton – FreeFoto.com)