Cântico azul-marinho e verde-esperança
Cansam-me as mentes austeras
cingidas pela robustez
de interesse por várias esferas.
E espanta-me a insensatez
de quem louva a austeridade,
fruto da incapacidade
para um pensamento aberto,
que, perante o que é incerto,
esconde a dúvida no erro
que é condenar-se ao desterro
de cumprir uma matriz
e com isso ser feliz.
Quero quem tenha do humano
a maior sabedoria,
para lidar, mano a mano,
com a vida do dia a dia,
que não vem num manual
- tantas são as variáveis -,
pelo que é essencial
que, de todos os notáveis,
ganhe quem saiba da alma
da gente que, de uma vez,
conseguiu levar a palma,
contra um fado português
cantado por outro austero,
de corpo e de pensamento,
que, com pulso rude e fero,
fez do país monumento
ao silêncio, ao medo, à morte.
Não quero quem me lembre de tal sorte,
quem confine a uma baía o mar da vida,
insistindo numa rota já batida
que leva a um só cais,
num mar cinzento e frio, sem risco ou chama.
Quanto aos demais,
lá, onde mora o sonho e a alma se derrama
por horizontes há tanto desejados,
são cais esquecidos, são portos ignorados
pela barca de um só rumo, cega e surda
às vozes que, na amurada, se levantam,
quando o vento da vontade nasce e muda
o rumo e a rima dos versos que ao mar cantam.
Por isso, a esses cais não vai qualquer navio.
Só vai o que não teme o desafio
de inscrever no voo das gaivotas
a rima de outros versos, a espuma de outras rotas
que nunca o céu de chumbo encobriu.
Por que voltar à cinzenta rota antiga,
se há tanto azul no mar e verde na cantiga
e a vontade de cantar não se extinguiu?
in Ideias em desalinho
(imagem: “Seagull” - Ian Britton – FreeFoto.com)
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