quinta-feira, junho 23, 2005

Tribunal


Somos nós os culpados do que somos.
E é de mim que me queixo.
Tão intensa foi sempre a minha voz,
Que ninguém a entendeu.
Por isso, quanto mais água pedi,
Mais distante me vi
De cada fonte que me apeteceu.

E agora é tarde, já nem sede tenho.
Ou tenho-a como os cactos:
Eriçada de espinhos.
Olho de longe a bica tentadora,
Adivinho-lhe o gosto e a frescura,
E é de borco na areia abrasadora
Que refresco a secura.

Coimbra, 6 de Dezembro de 1956
Miguel Torga